Cecília Meireles (1901-1964)
DADOS BIOGRÁFICOS
Cecília Benevides de Carvalho Meireles nasceu em 1901, no Rio de Janeiro.
Perdeu os pais aos três anos de idade, sendo então criada pela avó materna. Em
1917, após formar-se professora pela Escola Normal do Rio, dedicou-se ao
magistério primário. No início da carreira literária fez parte do grupo
neo-simbolista da revista Festa, dirigido por Tasso da Silveira, do qual,
alguns anos mais tarde, se desligou, trilhando seu próprio caminho, de cunho
mais moderno. Ainda bem jovem, teve seu primeiro livro, Espectros, publicado em
1919. A partir dos anos 30, passou a lecionar Literatura brasileira na
Universidade do Distrito Federal. Em 1934, visitou Portugal e os Estados
Unidos, onde deu cursos sobre Literatura e Cultura Brasileira. Viagem (1939)
recebeu o prêmio da Academia Brasileira de Letras pela primeira obra em versos
modernos. Cecília morreu no Rio de Janeiro, em 1964.
CARACTERÍSTICAS
LITERÁRIAS
Em versos regulares ou livres, longos ou curtos, a autora, sempre
empenhada em atingir a perfeição, revela habilidade no comando da riqueza
lexical e dos ritmos da língua portuguesa [ver Antologia]. Foi talvez, segundo
Bosi, "o poeta moderno que modulou com mais felicidade os metros
breves", apregoados pelo Modernismo. Na poesia inicial Espectros e Baladas
para El-Rey, há ecos dos poetas simbolistas. Fase esta que foi renegada pela
autora, ao não as incluir em sua Obra Poética.
Em Viagem, pela capacidade lírica inovadora retrata uma permanente viagem
interior; intimista e introspectiva, sugerindo num tom leve e delicado, temas
de solidão, melancolia, fuga pelo sonho, o vazio do existir, saudades e
sofrimento. Essas características percorrerão toda sua obra lírica. Algumas
estão presentes em Canção quase Melancólica, Fio, Cantiguinha e Assovio.
Outro aspecto de sua poesia é a linguagem sensorial, intuitiva e
feminina, empregada em versos plenos num jogo hábil de sons e musicalidade.
Recordação transfigura a realidade pelos elementos sensoriais. Um dos traços
mais importantes de sua poesia é a consciência da transitoriedade das coisas,
revelada na delicadeza com que tematiza a fugacidade do tempo, dos objetos e da
vida, sempre espreitada pela sombra da morte.
Em Romanceiro da Inconfidência, episódios narrativos rimados - romance
medieval de tradição ibérica - Cecília revela sua preocupação social. A partir
de fatos históricos, lendas e tradições, narra a época dourada de Minas Gerais
e a fatalidade que caiu sobre os poetas conjurados e familiares. Em um conjunto
de 85 romances, é um dos mais belos poemas longos da língua portuguesa.
PRINCIPAIS OBRAS
Poesia
Espectros
(1919); Nunca Mais e Poemas dos Poemas (1923); Baladas para El-Rey (1925);
Viagem (1939); Vaga Música (1942); Mar Absoluto (1945); Retrato Natural (1949);
Amor em Leonoreta (1952); Doze Noturnos da Holanda (1952); Aeronauta (1952);
Romanceiro da Inconfidência (1953); Pequeno Oratório de Santa Clara (1955);
Pistóia (1955); Canções (1956); Romance de Santa Cecília (1957); Metal Rosicler
(1960); Poemas Escritos na Índia (1961); Antologia Poética (1963); Solombra
(1963); Ou Isto ou Aquilo (1965); Crônica Trovada da Cidade de San Sebastian
(1965).
Prosa Poética
Giroflê, Giroflá
(1956).
Prosa
Notícia da
Poesia Brasileira (1935); O Espírito Vitorioso (1959); Rui (1949); Problemas de
Literatura Infantil (1951); Panorama Folclórico dos Açores especialmente da
Ilha de S. Miguel (1958); Escolha o seu Sonho (1966); A Bíblia na Poesia
Brasileira (s/d).
ROMANCE DA BANDEIRA DA INCONFIDÊNCIA
Através de grossas
portas,
sentem-se luzes
acesas,
– e há indagações
minuciosas
dentro das casas
fronteiras:
olhos colados aos
vidros,
mulheres e homens à
espreita,
caras disformes de
insônia,
vigiando as ações
alheias.
Pelas gretas das
janelas,
pelas frestas das
esteiras,
agudas setas atiram
a inveja e a
maledicência.
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de
surpresas,
como peludas aranhas
na gosma das teias
densas,
rápidas e
envenenadas,
engenhosas,
sorrateiras.
Atrás de portas
fechadas,
à luz de velas
acesas,
brilham fardas e
casacas,
junto com batinas
pretas.
E há finas mãos
pensativas,
entre galões, sedas,
rendas,
e há grossas mãos
vigorosas,
de unhas fortes,
duras veias,
e há mãos de púlpito
e altares,
de Evangelhos,
cruzes, bênçãos.
Uns são reinóis, uns,
mazombos;
e pensam de mil
maneiras;
mas citam Vergílio e
Horácio,
e refletem, e argumentam,
falam de minas e
impostos,
de lavras e de
fazendas,
de ministros e
rainhas
e das colônias
inglesas.
Atrás de portas
fechadas,
à luz de velas
acesas,
uns sugerem, uns
recusam,
uns ouvem, uns
aconselham.
Se a derrama for
lançada,
há levante, com
certeza.
Corre-se por essas
ruas?
corta-se alguma
cabeça?
Do cimo de alguma
escada,
profere-se alguma
arenga?
Que bandeira se
desdobra?
Com que figura ou
legenda?
Coisas da Maçonaria,
do Paganismo ou da
Igreja?
A Santíssima
Trindade?
Um gênio a quebrar
algemas?
Atrás de portas
fechadas,
à luz de velas
acesas,
entre sigilo e
espionagem,
acontece a
Inconfidência.
E diz o vigário ao
Poeta:
"Escreva-me
aquela letra
do versinho de
Vergílio..."
E dá-lhe o papel e a
pena.
E diz o Poeta ao
Vigário,
com dramática
prudência:
"Tenha meus
dedos cortados,
antes que tal verso
escrevam..."
LIBERDADE, AINDA QUE
TARDE,
ouve-se ao redor da
mesa.
E a bandeira já está
viva,
e sobe, na noite
imensa.
E os seus tristes
inventores
já são réus – pois se
atreveram
a falar em Liberdade
(que ninguém sabe o
que seja).
(...)
MEIRELLES,
Cecília. Obra Poética. 2a Ed. Rio de Janeiro: José Aguilar Editora, 1967,
p.511-513.
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